Por um lado, há muitos fatos psicológicos que demonstram
claramente que os autores dos evangelhos não tinham a intenção consciente ou
inconsciente de criar literariamente um personagem como Cristo; por outro lado,
precisamos investigar se a mente humana tem capacidade para criar uma
personalidade como à dele. Vejamos.
Cristo não se comportava nem como herói nem como anti-herói. Sua
inteligência era ímpar. Seus comportamentos fugiam aos padrões do intelecto
humano. Quando todos esperavam que falasse, ele silenciava. Quando todos
esperavam que tirasse proveito dos atos sobrenaturais que praticava, pedia às
pessoas ajudadas por ele que não contassem a ninguém o que havia feito. Evitava
qualquer tipo de ostentação. Que autor poderia imaginar um personagem tão
intrigante como esse?
Na noite em que foi traído, facilitou sua prisão, pois levou
consigo apenas três dos seus discípulos. Não quis que a multidão que sempre o
acompanhava estivesse presente naquele momento. Mesmo com a presença de alguns
discípulos, houve alguma agressividade naquela situação, pois Pedro feriu um dos
soldados. Não queria derramar sangue ou causar qualquer tipo de violência.
Preocupava-se igualmente com a segurança das pessoas que o seguiam e com a
daqueles que o prenderam (João 18:8). É incomum e muito estranha uma pessoa se
preocupar com o bem-estar dos seus opositores! Cristo previu a sua morte algumas
vezes e facilitou sua própria prisão.
O mundo curvou-se aos seus pés, não pela inteligência dos autores
dos quatro evangelhos, pois neles não se percebe a intenção de produzir um texto
com grande estilo literário. O mundo o reverenciou porque seus pensamentos e
atitudes eram tão eloquentes que falavam por si mesmos, não precisavam de
arranjos literários por parte dos seus
biógrafos.
O que chama atenção nas biografias de Cristo são seus
comportamentos incomuns, seus gestos que extrapolam os conceitos, sua capacidade
de considerar a dor de cada ser humano mesmo diante da sua própria dor. Veremos
que suas ideias eram tão surpreendentes que não têm precedente histórico. Até os
seus momentos de silêncio tinham grande significado. Creio que diversas
passagens, expressas em suas quatro biografias, possuem tantos segredos
intelectuais que muitas não foram compreendidas nem mesmo pelos seus autores na
época em que as escreveram.
As reações de Cristo realmente contrapõem-se aos nossos conceitos,
estereótipos e paradigmas (modelos de compreensão e padrões de reação) Vejamos
sua entrada triunfal em Jerusalém.
Após ter percorrido por um longo período toda a região da
Galileia, inúmeras pessoas a segui-lo. Agora, havia chegado o momento de entrar
pela segunda e última vez em Jerusalém, o grande centro religioso e político de
Israel. Naquele momento, Cristo estava no auge da sua popularidade. As pessoas
eufóricas o proclamavam como rei de Israel (Marcos 11:10). Alguns discípulos,
que àquela altura ainda não estavam cientes do seu desejo, até disputavam quem
seria maior se ele conquistasse o trono político (Marcus 10:35-37). Os
discípulos e as multidões estavam extasiados. Entretanto, mais uma vez ele
adotou uma atitude imprevisível que chocou a
todos.
Quando esperavam que ele entrasse triunfalmente em Jerusalém, com
pompa, seguido de uma grande comitiva, Cristo assumiu uma atitude clara e
eloquente que demonstrava sua rejeição a qualquer tipo de poder político,
ostentação e estética exterior. Ele mandou alguns dos seus discípulos pegarem um
pequeno animal, um jumentinho, e teve a coragem de montar no desajeitado animal.
Foi assim que aquele homem superadmirado entrou em
Jerusalém.
Nada é mais cômico e desproporcional do que o balanço de um homem
transportado por um jumento. O animal é forte, mas é pequeno. Quem o monta não
sabe onde colocar os pés, se os levanta ou os arrasta pelo
chão.
Que cena impressionante! As pessoas, mais uma vez, ficaram
chocadas com o comportamento de Cristo. Mais uma vez ficaram sem entendê-lo. Os
seus discípulos, que estavam eufóricos com todo o apoio popular, receberam um
“balde de água fria”. Porém, as pessoas, confusas e ao mesmo tempo admiradas,
colocavam suas vestes sobre o chão para ele passar e o exaltavam como o rei de
Israel.
Elas queriam proclamá-lo um grande rei e ele demonstrava que não
desejava nenhum poder político. Queriam exaltá-lo, mas ele expressava que, para
atingir seus objetivos, o caminho era a humildade, a necessidade de aprender a
interiorizar-se. Cristo propunha uma revolução que se iniciava no interior do
ser humano, no íntimo do seu ser, e não no exterior, na estética política. É
impressionante, mas ele não se mostrava nem um pouco preocupado, como geralmente
ficamos, com a aparência, o poder, o status social, a opinião
pública.
Imaginem o presidente dos EUA, no dia da sua pose, solicitando aos
seus assessores que arrumassem um pequeno animal, como um jumento, para ele
entrar na Casa Branca. Certamente esse presidente seria encorajado a ir
imediatamente a um psiquiatra. A criatividade intelectual não consegue formar
uma personalidade que possua uma inteligência requintada e, ao mesmo tempo, tão
despojada a humilde.
Uma pessoa, no auge da sua popularidade, explode de orgulho e
modifica o padrão das suas reações. Algumas, ainda que humildes e humanistas, ao
subir um pequeno degrau da fama, passam a olhar o mundo de cima e se colocam,
ainda que inconscientemente, acima dos seus
pares.
Cristo estava no ápice do seu sucesso social, mas, em vez de se
colocar acima dos outros, desceu todos os degraus da simplicidade e do
despojamento e deixou todos perplexos com sua atitude. Se caminhasse, seria mais
digno e menos chocante. Porém, ele preferiu subir num pequeno animal para
estilhaçar os paradigmas das pessoas que o contemplavam e abrir as janelas das
suas mentes para outras possibilidades.
A personalidade de Cristo foge aos parâmetros da imaginação. Sua
inteligência flutuava entre os extremos. Em alguns momentos expressava uma
grande eloquência, coerência intelectual e segurança e, em outros, dava um salto
qualitativo e exprimia o máximo de singeleza, resignação e
humildade.
Cristo possuía uma personalidade tão requintada que se manifestava
como uma melodia que soava entre os extremos das notas musicais. Conheço muitas
pessoas – psiquiatras, psicólogos, intelectuais, cientistas, escritores,
empresários. Entretanto, nunca encontrei ninguém cuja personalidade possuísse
características tão surpreendentes quanto à
dele.
Quem, no auge do sucesso, conserva suas raízes mais íntimas? Essa
perda de raízes diante da fama nem sempre ocorre pela determinação do “eu”, mas
por processos que fogem ao controle do “eu”. Muitos, depois de alcançar qualquer
tipo de sucesso, perdem, ainda que inconsciente e involuntariamente, não apenas
as suas raízes históricas, mas também sua capacidade de contemplação do belo
diante dos pequenos eventos do cotidiano. Por isso, com o decorrer do tempo,
diversas pessoas que conquistam a notoriedade se entediam com a fama e acabam
procurando uma vida mais reservada.
Será que alguns personagens da literatura mundial aproximaram-se
da personalidade de Jesus Cristo? Desde que Gutenberg inventou as técnicas
gráficas modernas, dezenas de milhares de autores criaram milhões de personagens
na literatura. Será que algum desses personagens teve uma personalidade com as
características da de Jesus? Eis um bom desafio de investigação! Realmente creio
que não. As características de Cristo fogem ao padrão do espetáculo da
inteligência e da criatividade humana.
No passado, Cristo era para mim fruto da cultura e da
religiosidade humana. Porém, após anos de investigação, convenci-me de que não
estou estudando a inteligência de uma pessoa fictícia, imaginária, mas de alguém
real, que andou e respirou aqui na Terra. É possível rejeitá-lo, se
investigarmos a sua biografia, não há como negar sua existência e reconhecer sua
perturbadora personalidade. A personalidade de Cristo é “inconstrutível” pela
imaginação humana.
(Fonte: Análise da Inteligência de Cristo –
Augusto Cury).
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