Nossa análise da inteligência de Cristo mão obedecerá à ordem
cronológica de sua vida. Mas estudará as características da sua inteligência da
sua inteligência em situações específicas e em épocas distintas da sua
história.
Não estou defendendo uma religião aqui. A minha meta é fazer uma
investigação psicológica da personalidade de Cristo. Porém, os sofisticados
princípios intelectuais da inteligência dele poderão contribuir para abrir as
janelas da inteligência das pessoas de qualquer religião, mesmo as não cristãs.
Tais princípios são tão complexos que diante deles até os ateus mais céticos
poderão enriquecer sua capacidade de pensar.
È difícil encontrar alguém capaz de nos surpreender com as
características da sua personalidade, capaz de nos convidar a nos interiorizar e
repensar nossa história. Alguém que diante dos seus focos de tensão,
contrariedades e dores emocionais tenha atitudes sofisticadas e consiga produzir
pensamentos e emoções que fujam do padrão trivial. Alguém tão interessante que
possua o dom de perturbar nossos conceitos e paradigmas
existenciais.
Com o decorrer dos anos, compreendi que o ser humano, apesar da
complexidade da sua mente, é frequentemente muito previsível. O Mestre dos
Mestres fugia a essa regra. Possuía uma inteligência instigante capaz de
provocar a inteligência de todos os que passavam por
ele.
Ele tinha plena consciência do que fazia. Suas metas e prioridades
eram bem estabelecidas (Lucas 18:31; João
14:31). Era seguro e determinado, ao mesmo tempo flexível,
extremamente atencioso e educado. Tinha grande paciência para educar, mas não
era um mestre passivo, e sim provocador. Despertava pouco, porém educava muito.
Era econômico no falar, dizendo muito com poucas palavras. Era ousadíssimo em
expressar seus pensamentos, embora vivesse numa época em que imperava o
autoritarismo.
Sua coragem para expressar os pensamentos trazia-lhe frequentes
perseguições e sofrimentos. Todavia, quando queria falar, ainda que suas
palavras lhe trouxessem grandes transtornos, não se intimidava. Mesclava a
singeleza com a eloquência, à humildade com a coragem intelectual, a amabilidade
com a perspicácia.
Cristo nasceu num país cuja identidade e sobrevivências estavam
profundamente ameaçadas pelo autoritarismo e pela vaidade do império Romano. O
ambiente sociopolítico era angustiante. Sobreviver era uma tarefa difícil. A
fome e a miséria constituíam o cotidiano das pessoas. O direito personalíssimo,
ligado à liberdade de expressar o pensamento, era profundamente restringido pela
cúpula judaica e amaldiçoado pelo Império Romano. A comunicação e o acesso às
informações eram limitados.
Os judeus esperavam um grande líder, o Cristo (“ungido”), alguém
capaz de reinar sobre eles, de resgatar-lhe a identidade e de libertá-los do
jugo do Império Romano. Os membros da cúpula judaica viviam sob tensão política,
com sua sobrevivência sob ameaças e seus direitos aviltados. Porém, por causa de
sua rigidez intelectual, não investigaram e, portanto, não reconheceram o Cristo
humilde, tolerante, dócil e inteligente que não desejava status social nem poder
político.
Esperavam alguém que os libertasse do jugo romano, mas veio alguém
que queria libertar o ser humano das suas misérias psíquicas. Esperavam alguém
que fizesse uma revolução exterior, mas veio alguém que propôs uma revolução
interior. Esperavam um poderoso político, mas veio alguém que nasceu numa
manjedoura, cresceu numa cidade desprezível, Nazaré, e se tornou um carpinteiro,
vivendo no anonimato, padeceu de angústia, dores físicas, opressões sociais,
dificuldades de sobrevivência, frio, fome, rejeição
social.
Na escola da existência, a maioria das pessoas não investe em
sabedoria e a velhice não é sinal de maturidade, nela, os títulos acadêmicos, o
status social e a condição financeira não refletem a riqueza interior nem
significam sucesso na liberdade de pensar, na arte da contemplação do belo, no
prazer de viver. A escola da existência é abrangente, pois envolve toda a nossa
trajetória de vida, incluindo até mesmo a instituição
educacional.
A escola da existência é tão complexa que nela se pode ler uma
infinidade de livros de autoajuda e continuar, ainda assim, a ser inseguro e ter
dificuldade de lidar com as contrariedades. Nela, o maior sucesso não está fora
das pessoas, mas em conquistar terreno dentro de si mesmo; a maior jornada não é
exterior, e sim interna, percorrendo as trajetórias do próprio ser. Nessa
escola, os melhores alunos não são aqueles que se gabam dos seus sucessos, mas
os que reconhecem seus conflitos e limitações.
Todos nós passamos por determinadas angústias e ansiedades, pois
algumas das mazelas da vida são imprevisíveis e inevitáveis. Na escola da
existência aprende-se que se adquire experiência não só com os acertos e as
conquistas, mas, muitas vezes, com as derrotas, as perdas e o caos emocional e
social. Foi nessa escola tão sinuosa que Jesus se tornou o Mestre dos
Mestres.
Ele foi mestre numa escola em que muitos intelectuais, cientistas,
psiquiatras e psicólogos são pequenos aprendizes. Muitos psiquiatras e
psicoterapeutas possuem elegância intelectual enquanto estão em seus
consultórios. São lúcidos e coerentes quando estão envolvidos na relação
terapeuta com seus pacientes. Porém, a vida real pulsa fora dos consultórios de
psiquiatria e psicoterapia. Assim, quando estão diante dos próprios estímulos
estressantes – ou seja, das suas frustrações, perdas e dores emocionais –
apresentam dificuldades para manter a lucidez e a
coerência.
D mesmo modo, muitas pessoas que frequentam uma reunião
empresarial, científica ou religiosa apresentam um comportamento sereno e lúcido
enquanto estão reunidas. Todavia, quando se encontram diante dos territórios
turbulentos da vida, não sabem se reciclar, ser tolerantes, trabalhar suas
contrariedades com dignidade.
A melhor maneira de conhecer a inteligência de uma pessoa é
observá-la, não nos ambientes isentos de estímulos estressantes, mas nos
territórios em que eles estão presentes.
Quem usa continuamente as angústias existenciais, as ansiedades,
os estresses sociais, os desafios profissionais para enriquecer a arte de pensar
e amadurecer a personalidade? Viver com dignidade e maturidade a vida que pulsa
no palco de nossas existências é uma arte que todos temos dificuldades de
aprender.
Pela elegância com que manifestava seus pensamentos, Cristo
provavelmente usava cada angústia, cada perda, cada contrariedade como uma
oportunidade para enriquecer sua compreensão da natureza humana. Era tão
sofisticado na construção dos pensamentos que fazia até mesmo das suas misérias
poesia. Dizia poeticamente que “as raposas têm seus covis, as aves do céu têm seus ninhos, mas o
filho do homem (ele)não tinha onde reclinar a cabeça” (Mateus 8:20).
Como pode alguém falar elegantemente da
própria miséria? Jesus era um poeta da existência. Suas biografias revelam que
ele reconhecia e reciclava suas dores continuamente. Assim, em vez de ser
destruído por elas, ele as usava como alicerce da sua
inteligência.
O carpinteiro de Nazaré viveu no anonimato a maior parte de sua
existência, porém, quando se manifestou, revolucionou o pensamento e o viver
humanos. Seu projeto era audacioso. Ele afirmava que primeiro o interior – ou
seja, o mundo dos pensamentos e das emoções – devia ser transformado; caso
contrário, a mudança exterior não teria estabilidade, não passaria de mera
maquiagem social (Marcos 7:17-13;João
8:36). Para Cristo, a mudança exterior era uma consequência da
transformação interior.
Apesar de a inteligência de Cristo ser excepcional, ele reunia
todas as condições para confundir o pensamento humano. Nasceu numa pequena
cidade. Seu parto foi entre os animais, sem qualquer espetáculo social, estética
ou glamour.
Com menos de dois anos, mal tinha iniciado sua vida, já estava
condenado à morte por Herodes. Sues pais, apesar da riqueza interior, não tinham
qualquer expressão social. A cidade em que cresceu era desprezada. Sua profissão
era humilde. Seu corpo foi castigado pelas dificuldades de sobrevivência e, por
isso, alguns o consideravam envelhecido para a sua idade (João 8:57).
Não buscava ser o centro das atenções. Quando a fama batia-lhe à
porta, procurava se interiorizar e fugir do assédio social. Não se autopromovia
nem se auto elogiava. Não falava sobre sua identidade claramente, nem se auto
elogiava. Não falava sobre sua identidade claramente, nem mesmo para seus
discípulos mais íntimos, mas deixava que eles usassem a capacidade de pensar e a
descobrissem por si mesmos (Mateus
16:13-17). Falava frequentemente na terceira pessoa,
referindo-se ao seu pai. Só falava na primeira pessoa em ocasiões especiais, nas
quais sua ousadia era impressionante, deixando todos perplexos com suas
palavras (João 6:13-52;8:12-13;
8;58-59).
Jesus gostava de conviver com os desprovidos de valor social, era
o exemplo vivo de uma pessoa avessa a todo tipo de discriminação. Ninguém, por
mais imoral e por mais defeitos que tivesse, era indigno de se relacionar com
ele. Cristo se doava sem esperar nada em troca. Diferentemente dos escribas e
fariseus, dava mais importância à história das pessoas do que ao “pecado” como
ato moral. Entrava no mundo delas, percorria a trajetória de suas vidas. Gostava
de ouvi-las. A arte de ouvir uma jóia intelectual para
ele.
Cristo não tinha formação psicoterapeuta, mas era um mestre da
interpretação, pois conseguia captar os sentimentos íntimos das pessoas.
Percebia seus conflitos mais ocultos e atuava neles com inteligência e
eficiência. Era comum ele se antecipar e dar respostas a perguntas que ainda não
tinham sido formulados ou que as pessoas não tinham coragem de expressar
(Lucas 7:39-40;
11:17).
Reagia com educação até quando o ofendiam profundamente. Era
amável mesmo quando corrigia e repreendia alguém (João 8:48-51;53-54).Não
expunha em público os erros das pessoas, mas ajudava-as com discrição,
considerando-as acima dos seus erros, conduzindo-as a se
repensarem.
Embora fosse eloquente, expunha e não impunha suas ideias. Não
persuadia nem procurava convencer as pessoas a crerem nas suas palavras. Não as
pressionava para que o seguissem, apenas as convidava (João 6:35). A responsabilidade de crer
nele era exclusivamente delas. Suas parábolas não produziam respostas prontas,
mas estimulavam a arte da dúvida e a produção de
pensamentos.
Jesus não respondia às perguntas quando pressionado, sendo fiel à
própria consciência. Embora fosse muito amável, não bajulava ninguém. Não
empregava meios escusos para conseguir determinados fins. Por isso, era mais
fácil as pessoas ficarem perplexos diante dos seus pensamentos e reações do que
compreendê-los. Ele foi, de fato, um grande teste para a cúpula de Israel.
Cristo foi e continua sendo um grande enigma para a ciência e para os
intelectuais de todas as gerações. Hoje, provavelmente, muitas pessoas que
afirmam segui-lo ficariam perturbadas por seus pensamentos se vivessem naquela
época.
Cristo confundia a mente das pessoas que passavam por ele e, ao
mesmo tempo, causava nelas – até nos seus opositores – profunda admiração.
Maria, sua mãe, impressionava-se com o comportamento do filho e com seu discurso
desde a infância. Quando ele falava, ela guardava em silêncio suas palavras
(Lucas 2:45-51). Tinha apenas 12
anos, e os doutores da lei, admirados, sentavam ao seu redor para ouvir sua
sabedoria (Lucas 2:39-44). Seus
discípulos ficavam continuamente atônitos com sua inteligência, enquanto seus
opositores emudeciam diante do seu conhecimento e faziam “plantão” para ouvir
suas palavras (Mateus 22:22). Até
Pilatos parecia um menino perturbado diante dele (Mateus 27:13-14). Com a
arrogância e o autoritarismo que lhe eram conferidos pelo poderoso Império
Romano, Pilatos não podia suportar o silêncio de Cristo em seu interrogatório. A
singeleza e a serenidade dele, mesmo diante do risco de morrer, chocavam a mente
de Pilatos. A esposa do imperador, que não participava do julgamento de Cristo
mas sabia o que estava acontecendo, ficou inquieta, sonhou com ele e teve sei
sono perturbado (Mateus
27:19).
As pessoas discutiam continuamente a respeito de quem era aquele
misterioso homem que parecia ter uma origem tão simples. Graças a sua intrigante
e instigante inteligência, Cristo provavelmente foi o maior causador de insônia
em sua época.
(Fonte: Análise da Inteligência de Cristo – Augusto
Cury).
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